CAPÍTULO DOIS – Como se identificam e vivem as travestis

Do mercado de trabalho
à rotina na noite.

A vida das travestis e transexuais não é nada fácil, ainda mais em um país conservador como o Brasil. Desde quando resolvem assumir a sua real identidade de gênero, elas encontram dificuldades na família, nas ruas, nas escolas e em todos os outros setores da sociedade.

Muitas saíram de casa porque foram forçadas pela família, não aceitando algum parente se identificando total ou parcialmente com um gênero diferente do qual nasceu. Explorar nas ruas a sexualidade na qual se sentiam reprimidas acabou sendo a única opção, tanto para se sentir bem com o gênero com o qual se identificam quanto para ganhar dinheiro.

A escolaridade também é outro problema

Em pesquisa nacional sobre Juventudes e Sexualidade, publicada em 2004, a UNESCO já mostrava o ambiente escolar como um lugar hostil para a população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais) no Brasil. Para os meninos de 10 a 24 anos participantes da pesquisa, “bater em homossexuais” apareceu em 6º lugar como ação mais violenta, considerada pelos garotos como ação menos grave do que usar drogas ou portar armas. A mesma pesquisa também constatou que 40,9% dos meninos da cidade de São Paulo rejeitariam a possibilidade ter um amigo homossexual.

Com um ambiente não muito amigável para quem quer estudar, é raro ver uma travesti ou transexual com diplomas. Apenas em 2012 tivemos a primeira travesti com doutorado no Brasil. O que isso representa: quanto menos estudo e mais preconceito, menor a possibilidade de arranjar um emprego no mercado formal.



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Rotina de trabalho

A rotina não difere muito de travesti para travesti. Como as profissionais do sexo são autônomas, fazem o próprio horário e escolhem os dias nos quais vão trabalhar. Quando precisam de dinheiro urgente, chegam cedo, por volta das 21 horas e só voltam pra casa após as 5 da manhã. Foi o caso de Mariah, que conseguimos entrevistar após dois dias de tentativa. Quando chegamos para conversar pela primeira vez, recebemos a resposta de que ela precisava ganhar 500 reais para pagar uma conta na manhã seguinte. As travestis podem fazer, num dia agitado e com muitos clientes, mais de 600 reais por noite. Trabalho árduo, mas com um salário bem acima da média do brasileiro, de 880 reais, considerando que elas trabalham de três a seis dias por semana.

Fácil e rápido?

Este dinheiro “fácil” e rápido, aliado à falta de estrutura familiar e estudo, acarreta em uma falta de planejamento que muitas vezes atrapalha na hora de gerenciar o dinheiro conquistado. Os gastos são muitos e, alguns, diários.

Primeiro, para trabalhar, pois algumas precisam pagar o “ponto” para alguém que já estava trabalhando ali perto. Lei “da rua”, comumente vista nas calçadas famosas pela prostituição. Depois, pela vaidade, já que a “grana” é utilizada para cirurgias (silicone nos seios e na bunda, lipoaspiração e outros procedimentos), roupas, sapatos e outros acessórios que, além de ajudar a travesti a se sentir mais dona de si e feminina, acabam atraindo mais clientes.

Uma coisa é unânime entre as entrevistadas: elas ganham bem. Tão bem que algumas não querem arranjar um emprego formal. As poucas que já trabalharam de carteira assinada veem na prostituição uma maneira de ganhar um extra ou a melhor opção para viver confortavelmente e até com algum luxo, enquanto as outras dizem que, no mercado formal e sem estudos, não receberiam um salário compatível com o que querem ganhar e com o que recebem nas ruas.



A pior parte, no entanto, reside na insegurança, tanto no desempenho do trabalho, já que elas dependem de clientes e não possuem renda fixa, quanto no medo de sofrer com a violência nas ruas (Debatemos mais sobre isso no capítulo quatro). Ainda assim, não o suficiente para afastá-las dessa vida que, de longe, parece dura e sofrida. Mas não é descrita com toda essa crueldade por elas. Por diversas vezes, o divertimento de poder explorar sua sexualidade e receber um bom dinheiro acaba falando mais alto.

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Acompanhe a reportagem.
Saiba quem são os clientes e qual o fetiche sexual no capítulo 3.